Um dos gênios da história da indústria automobilística, Gordon Murray, entre outros feitos, é o “pai” do McLaren F1, um dos superesportivos mais aclamados da história. Por isso, ao anunciar que faria um novo hipercarro e criar sua própria marca (leia aqui), o engenheiro sul-africano criou expectativas em entusiastas de todo o mundo. O resultado de anos de estudos e desenvolvimento é o T.50, um modelo de linhas limpas e muita capacidade técnica, marca dos trabalhos de Murray. Ele terá apenas 100 unidades produzidas pela GMA (Gordon Murray Automotive), ao preço de £ 2,36 milhões (R$ 16,7 milhões, em conversão direta) cada uma.
O SURGIMENTO DA IDEIA
Há seis anos, Murray deu uma entrevista falando sobre o momento atual dos superesportivos. Criador daquele que por quase duas décadas foi o carro de produção em série mais veloz da história, ele tinha propriedade para opinar. E não via com bons olhos o que estava acontecendo no mercado. “Vejo esses carros como um exercício técnico. Não que o McLaren P1 não seja bom, mas está a 180 graus da direção do McLaren F1. A coisa mais importante mais importante era que você podia levá-lo às pistas e também passear por aí. Ainda vou fazer mais um supercarro e não o faria se não fossem esses monstros híbridos de uma tonelada e meia. Eu teria parado no F1, mas tenho algo a provar: ainda se pode fazer um grande carro com motor a combustão interna e engenharia pura”, explicou.
As palavras eram uma crítica aberta à indústria de superesportivos, que buscava – e ainda busca – incessantemente entregar cupês de alto desempenho e consumo comedido, a fim de atender às leis de emissões cada vez mais exigentes. É uma “culpa” de todos os envolvidos, o que inclui a necessidade de lucro para sobrevivência e, claro, a preocupação dos bean counters, sempre destinados a cortar todo o custo que conseguirem. Mas Murray queria provar que, de certa forma, ainda dava pra manter as tradições em um mundo cada vez mais regrado.
A EXECUÇÃO DO PROJETO
O norte do projeto de Murray foi a eficiência, o que inclui aerodinâmica apurada – sem aquele sem-fim de asas, spoilers, canards… – e, claro, baixo peso. A arquitetura é o monocoque de fibra de carbono que sua empresa GMA desenvolveu anteriormente, em nome do alívio de peso. Somadas, estrutura e carroceria pesam menos de 150 kg. O T.50, aliás, tem corpo atlético: são 957 kg seco (986 kg com fluidos, exceto combustível) – ou 152 kg menos que seu “muso inspirador” McLaren F1 – distribuídos em 4,352 metros de comprimento, 1,850 m de largura e 1,164 m de altura, com entre-eixos de 2,70 m, bitola dianteira tendo 1,586 m e a traseira medindo 1,525 m.
A redução de peso, como dissemos, foi um dos focos de Murray, que abertamente informa ter tomado o F1 como referência. Em relação ao hipercarro de mais de duas décadas atrás, ele tem motor 60 kg mais leve (pesando 178 kg) e câmbio 10 kg mais leve (80,5 kg). A obstinação é tanta que a pedaleira tem 900 gramas menos que a utilizada no McLaren e vários componentes foram pesados para garantir o mínimo de massa possível: tanto seus cerca de 900 parafusos em titânio, os faróis em LED de 2,1 kg cada – incluindo o sistema de arrefecimento integrado, com ventoinha e dissipador de calor -, a placa de titânio de 7,8 gramas (isso mesmo) que envolve a alavanca de câmbio e o para-brisa com espessura 28% menor que o “normal”.
Essa estrutura “leve” é sustentada por braços triangulares sobrepostos nos dois eixos, com componentes em alumínio forjado e amortecedores inboard, com arranjo pushrod, ancora o sistema na parte debaixo da roda junto à porção superior do chassi. Na ponta, estão dispostos os discos de carbono-cerâmica da Brembo, com 370×34 milímetros na dianteira e 340×34 mm no eixo posterior e pinças de respectivos seis e quatro pistões. Ao final do conjunto, há rodas de 19×8,5 polegadas (235/35) na frente e 20×11 (295/30) atrás, calçando pneus Michelin Pilot Sport 4S.
O CORAÇÃO DA FERA
Para mover sua criatura, Murray se juntou à Cosworth, desenvolvendo um V12 de 3.994 cm³ de deslocamento, construído com bloco e cabeçotes de alumínio e bielas e válvulas em titânio. Ele tem cárter seco, aspiração natural e sistema de indução ram-air para aumentar a pressão na admissão – com a ajuda de um scoop no teto. Há ainda um gerador elétrico com rede de 48 volts, que, apesar de pesar cerca de 20 kg, é primordial no projeto: com ele, o T.50 passou nos testes de emissões, atendendo à legislação ambiental. E o equipamento ainda faz as funções de partida e alternador, alimenta ar-condicionado e outros componentes elétricos e ajuda a entregar uma potência extra ao motor.
Com todas as excentricidades – e ainda tendo função semi-estrutural -, o V12 entrega 663 cv (11.500 rpm) e 47,6 kgfm (9.000 rpm) de torque, dos quais 71% estão disponíveis às 2.500 rpm. Ou seja: o T.50 tem o motor com a maior potência específica da história entre os naturalmente aspirados, com 166 cv/litro, e uma relação peso/potência de 1,48 kg/cv. O propulsor tem ainda a linha de corte nas 12.100 rpm, sendo capaz de atingi-la em apenas 0,3 segundo – ou seja: alcança 28.400 rpm por segundo.
Toda a força é entregue às rodas traseiras pelo câmbio manual de seis marchas, a última tendo uma função overdrive. Fornecida pela Xtrac, a caixa tem algumas características bastante próprias, como as paredes do bloco, feito em alumínio, com espessura de 2,4 milímetros. O motivo de paredes tão finas? Baixar peso, é claro.
O CENTRO DE COMANDO
Reduzir o peso não é muita coisa para Gordon Murray se não houver equilíbrio entre o que “sobrou”. Por isso, o T.50 segue a filosofia do F1 – outra vez – e coloca o piloto no centro do habitáculo. Seu assento fica um pouco mais à frente dos outros dois e está perfeitamente alinhado à pedaleira. A alavanca de câmbio fica à direita, em um console de fibra de carbono exposta, com o mecanismo de operação totalmente “pelado” logo abaixo, sem qualquer cobertura.
À frente, o painel revestido em alcântara traz um generoso conta-giros com mostrador analógico ao centro, ladeado por duas telas. Estas exibem informações como velocidade, níveis de combustível e temperatura(s), entre outros parâmetros. Há também visores que reproduzem as imagens captadas por câmeras, que assumem o lugar dos espelhos, mas que ainda estão em fase final de desenvolvimento. Murray ressalta que o T.50 também está apto para ser um carro confortável para o uso diário e, por isso, tem aparelho de som Arcam com 10 alto-falantes. Mas isso não prejudica seu desempenho: o sistema tem metade do peso do sistema de áudio Kenwood aplicado no McLaren F1. Pois é…
O acesso ao cockpit é feito por duas portas estilo borboleta, que se abrem à frente e acima. Atrás dos bancos, o espaço para bagagens é um tanto acanhado. Por isso, em viagens, pode-se levar bagagens também nos para-lamas traseiros. O acesso é independente, por coberturas que se abrem para cima, havendo espaço para até 288 litros. Será preciso levar menos roupas no próximo passeio.
AH, CLARO, A AERODINÂMICA
Quase esquecemos (mentira) de outra grande preocupação de Murray: a eficiência aerodinâmica. Deixaremos de lado a parte estética do T.50 para avaliações individuais, ressaltando alguns dos diferenciais do modelo. A começar pelo “ventilador” na traseira, uma evolução do icônico Brabham BT46, que alinhou na Fórmula 1 em 1978 e teve a solução banida logo depois. Aquela fora outra criação do genial Gordon.
No novo superesportivo, a ideia foi amplamente retrabalhada, acumulando funções. Na aerodinâmica, ela atua junto dos difusores para manter a sustentação. Sem ela, haveria perda da sustentação (o chamado stall (“estol”) da aviação), devido à curvatura acentuada dos dissipadores na base da carroceria, o que exigiria contornos mais contidos nessa área. Na dianteira, o recorte atrás dos para-lamas ajudam a aliviar a pressão nas caixas de roda. A seção tem ainda outras partes funcionais, como as aberturas no para-choque para resfriar os radiadores ou os dutos sob a carroceria que refrigeram os freios.
O sistema aerodinâmico do T.50 possui seis modos de operação. O “Test Mode” só pode ser acionado manualmente e opera apenas com o carro parado, a fim de avaliar as condições do equipamento – daí seu nome. A ventoinha traseira é limitada a 7.000 rpm, com os spoilers se movimentando ao extremo e as válvulas e os dutos do difusor abrindo e fechando. O “Auto” mantém a configuração padrão, sem mexer no aparato aerodinâmico.
O “Braking”, como o nome sugere, é ativado automaticamente quando se faz necessária uma desaceleração forte. Os spoilers se inclinam a mais 45 graus, aumentando o arrasto, enquanto ventilador e dutos/válvulas operam para dobrar o downforce. A empresa afirma que esse modo se sobressai aos demais se necessário e que sua atuação pode reduzir a distância de frenagem, de 240 km/h até a parada total, em cerca de 10 metros.
Os outros três modos são selecionáveis pelo condutor. O “High Downforce” inclina os spoilers a 10 graus, abre as válvulas do difusor e aumenta a velocidade da ventoinha para gerar 50% mais força, melhorando a atuação em curvas. O “Streamline” é voltado às retas e faz o oposto: os spoilers ficam a -10° e os dutos se fecham parcialmente, com a ventoinha sugando o ar para diminuir o downforce em 12,5%. Assim, cria-se um alongamento de superfície (long tail) que produz 15 kg de empuxo.
Completando a lista, há o modo “V-Max Boost”. Sua operação é baseada na do “Streamline”, mas com o diferencial do gerador de 48 volts citado acima. Ele entrega quase 30 cv extras ao V12, deixando o T.50 com 700 cv por um período limitado. Esse tempo de potência extra não é detalhado por Murray, que tampouco fala em números de aceleração ou velocidade máxima. Segundo o engenheiro, as cifras não são o foco de seu esportivo, mas sim o piloto e a experiência de condução.
QUANDO QUE VAI VIM?
As entregas do T.50 estão previstas pela GMA para começarem em 2022. A marca fará apenas 100 exemplares do modelo, ao preço de 2,36 milhões de libras (R$ 16,7 milhões) cada. Além da aquisição, a empresa promete uma experiência de compra diferenciada, acompanhando o processo de desenvolvimento – ainda em curso – e futuras atualizações do projeto. Eles também serão convidados a visitarem a fábrica para customizarem seus exemplares, o que inclui cores externas e internas e até as medidas como a distância do banco ao volante/pedais.
Cada proprietário também terá encontros com o próprio Murray, que garantirá pessoalmente a execução dos serviços solicitados. A rede de pós-venda terá representantes em Estados Unidos, Reino Unido, Japão e Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, com serviço técnico “aéreo” servindo de apoio nesse e nos outros países onde houver um T.50.
E dizem que dinheiro não traz felicidade…