Ford do Brasil decide virar “importadora”: as consequências do fim da produção local


O bombástico fim da produção de veículos da Ford no Brasil, anunciado ontem (leia aqui), causou a morte imediata de Ka, Ka Sedan e EcoSport. O trio feito nas plantas de Taubaté (SP) e Camaçari (BA), com operações encerradas instantaneamente, permanecerá no mercado até que se acabem os estoques. Assim, a tradicional marca norte-americana passará de montadora a importadora, comercializando em breve apenas modelos feitos fora daqui, como a argentina Ranger, o uruguaio Transit, o chinês Territory e o mexicano Bronco. Mas o que mais poderemos ter como consequência dessa medida drástica?

GAMA REDUZIDA

A primeira consequência já pode ser observada: a gama da Ford vem sendo reduzida a cada ano. Em pouco tempo, a empresa deixou de oferecer Focus, Focus Fastback, Fusion, Fiesta e Fiesta Sedan, além de ter deixado de lado o segmento de picapes compactas, com a já antiquada Courier, há alguns anos. Não por acaso, apenas três produtos foram descontinuados com o fim da operação nacional.

Fiesta deixou o mercado pouco depois de ser atualizado

A tendência é que a gama siga enxuta, mesmo com a insistência de que os importados preencherão as lacunas deixadas. Alguns modelos, de maneira indireta, já ocupariam o espaço de outros, como o Bronco Sport deve se tornar um SUV de referência, tal qual fora o Edge no passado. Curiosamente, a Ford nada fala sobre o Escape, há tempo especulado, que poderia atuar na faixa do Territory. Aparentemente, a marca de fato optou pelo Bronco Sport cumprir um papel de maior requinte, enfrentando as variações mais caras de Chevrolet Equinox, Jeep Compass, Toyota RAV4, VW Tiguan e Honda CR-V.

No entanto, é pouco provável que vejamos novamente um hatch da Ford em solo tupiniquim. E, infelizmente, a marca deve abandonar o segmento que criou por aqui com o EcoSport, lá em 2003. Especula-se uma possível importação da Índia, mas a informação, por ora, é tratada como mero rumor.

Chinês Territory ainda não vingou como o esperado

VOLUME DE VENDAS MENOR

Buscando maior lucratividade e abandonando os segmentos de entrada, a Ford abre mão de lutar por posições mais altas no ranking de vendas. Em 2020, a empresa emplacou 139.255 unidades, com 7,14% de participação, refletindo em queda de 36,2% frente aos 218.257 exemplares negociados em 2019. A fatia, na época, era de 8,22%. Em 2018, a quantia foi parecida, com 226.437 licenciamentos – ou seja, houve queda de volume de 3,16%. Porém, a marca contava com 9,17% do total, o que já denotava uma retração na procura. Para efeito de comparação, o mercado caiu 26,6% na média em 2020 e avançou 7,65% em 2019, com a Ford sempre tendo desempenho pior.

Ford Ka ainda é figurinha carimbada nas ruas brasileiras

Dos 139.255 veículos emplacados em 2020, o trio formado por Ka, Ka Sedan e EcoSport representou 117.265 delas – ou 84,2% do total. Dentre os 218.257 produtos comercializados em 2019, o mesmo grupo somou 189.797 unidades, com participação de 86,96%. Retirá-los das duas contas faria com que a Ford somasse 21.990 exemplares vendidos em 2020 e 28.460 no ano anterior, derrubando-a do quinto para o 10º lugar no ranking de fabricantes em ambos os períodos.

Além de reduzir seu volume total, a Ford deixa de ocupar posições importantes no mercado de vendas. O hatch Ka, por exemplo, foi o quinto mais vendido em 2020, o segundo em 2019 e o terceiro em 2018 e 17. O Ka Sedan foi terceiro na categoria em 2020 e 2018, ficando em segundo em 2019. Nos SUVs, o EcoSport não era mais o protagonista, tendo fechado o ano passado em sétimo. Porém, seguia à frente de produtos mais recentes, como os Renault Duster e Captur, o Citroën C4 Cactus e o Peugeot 2008.

EcoSport ainda tinha público cativo

REDE DE LOJAS MINGUANDO

Com um menor volume de vendas, ainda que a lucratividade enfim alcance a meta da Ford, é improvável que a rede de concessionários da marca mantenha a quantidade de pontos atual. Hoje, são 282 distribuidores autorizados que dificilmente conseguirão manter a estrutura para uma marca que venda, sendo otimista, 20% do que emplacou em 2020 sem seus três carros-chefe. Para além da estrutura de negócios, a unidade precisa ter operações rentáveis no pós-venda, com oficina e acessórios, e uma quantidade menor de veículos circulantes causa, consequentemente, menos trabalho de atendimento, reparo e reposição.

Quando descontinuados, modelos tendem a perder valor

DESVALORIZAÇÃO

A Ford nega que vá haver desvalorização dos produtos descontinuados. Contudo, com exceção de séries especiais e modelos cultuados, os modelos com vendas encerradas tendem a perder valor no mercado. É um movimento natural, considerando-se a depreciação do próprio produto, bem como ele já não passar a impressão de “carro novo”, além de uma provável maior dificuldade de manutenção, haja vista o menor volume fabril de componentes de reposição.

PROJETOS CANCELADOS

Antes do anúncio da Ford, fortes rumores indicavam o desenvolvimento de três novos produtos no País. Um deles, que daria origem a um rival para o Jeep Compass, chegou a ser flagrado em testes. Os demais seriam a terceira geração do EcoSport e um SUV Cupê, aos moldes do Volkswagen Nivus. Todos tinham assinatura da divisão local, com produção nacional para abastecer também outros mercados sul-americanos. Automaticamente, todos foram cancelados.

Especulado há anos, Kuga/Escape nunca veio ao Brasil oficialmente

DEMISSÕES

Por fim, a mais grave das consequências: a extinção de postos de trabalho. Nos cálculos da própria Ford, cerca de cinco mil funcionários serão dispensados, inclusive na Argentina. O complexo de Camaçari, que chegou a ter 6,5 mil funcionários – 3,5 mil deles indiretos, em fornecedores anexos ao parque industrial -, terá o maior número de dispensas. Elas incluem os 1,45 mil colaboradores afastados das atividades desde março, quando a pandemia “chegou” ao Brasil. A planta montou cerca de 130 mil veículos em 2020, pouco mais da metade da capacidade total possível (250 mil unidades anuais).

Na planta de motores e transmissões de Taubaté (SP), a companhia emprega cerca de mil pessoas. Todos serão dispensados, fechando a unidade após 52 anos. Ela recebeu melhorias em 2018, modernizando as linhas de montagem com sistemas de manufatura da indústria 4.0. Por fim, a fábrica da Troller em Horizonte conta com 470 colaboradores. Esta ainda pode seguir em atividade, caso encontre comprador.

Atualmente, a Ford tem 6.171 funcionários diretos no Brasil.

Troller: Adeus à marca nascida brasileira?

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